Interpretar? É a arte de adivinhar a intenção de um autor. Consiste na ação de tomar o texto como refém. Há um primeiro princípio mais ou menos objetivo na interpretação: o que literalmente disse o autor. Porém, o sentido e as circunstâncias do texto não podem ser apreendidos objetivamente. A hermenêutica é a ciência da adivinhação literária.
Existe aqui um pouco de ironia, mas é preciso alertar para o risco de artificialização que muitos hermeneutas correm. Chamo de hermeneuta toda pessoa que lida com textos, desde a criança da educação fundamental até o profissional da Literatura. É uma atividade corriqueira. Sempre quando decodificamos um texto e vamos além de seu sentido literal, estamos exercendo a arte hermenêutica. A alfabetização integral supõe a decodificação e a interpretação de um texto. Hoje poucos são os alfabetizados! São muitos os decifradores de sílabas!
Interpretar é acessível a todos, mas é uma tarefa árdua. Exige muitos instrumentos além do texto à vista. Os professores da Educação Fundamental cometem brutalidades nas aulas de Português e Literatura. Eles obrigam os alunos a adivinharem a intenção do autor. E acabam explicando demais, subestimando a inteligência dos alunos. Torna-se uma arte fantasiosa e traumatiza os estudantes.
Os hermeneutas profissionais não escapam desse perigo. Possuem mais instrumentos e capacidade de obrigar o autor a falar. Pior é quando se refere a literaturas antigas. A Bíblia é um caso típico. Ela é como um baú, dela “se arrancam coisas novas e velhas”. Muitos torturam o texto e o mutilam. E fazem-no responder a perguntas impensadas no seu período redacional. Os intérpretes são os gigolôs do texto!
Há muita presunção na interpretação de textos filosóficos, bíblicos e de outras literaturas antigas. São inúmeras as afirmações seguras a cerca da idéia do autor que são ridículas. Na prática, interpretar é sobrepor textos, inventar motivos. O resultado é sempre aproximativo e nunca exato. Cada um interpreta a partir de seus horizontes lingüísticos. Se não fosse assim, não haveria tanta discordância. A Bíblia, por exemplo, é lida sob diversos motivos e interesses. Daí surgem diversos ramos religiosos. A interpretação é condicionada por um jogo de poder. A Bíblia é a literatura mais sofrida nessa questão! Coitada!
Com os conceitos introduzidos por Nietzsche, Heidegger e Wittgenstein, não é mais possível a confiança inteira no livro e na razão. Gianni Vattimo desenvolve a herança desses filósofos anunciando os limites da interpretação e do próprio conceito de verdade. Ninguém está sendo desmotivado a interpretar, mas está sendo alertado dos limites da interpretação. Segundo essa linha de pensadores, conceitos como ser, razão e verdade não podem ser encarados como cognoscíveis, abstrato e a-históricos. Na verdade, os textos são narrativas de recortes da realidade e não só códigos exatos. Estão interpenetrados por textos invisíveis e sublineares. Na hora de interpretar, temos de lembrar que estamos dialogando com o autor e as suas circunstâncias. O resultado que obtivermos não é o único e nem o exato. Que assim nossos hermeneutas sejam mais modestos! E existam menos divisões por causa das verdades. Lembre-se: interpretar é sempre avizinhar-se.
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