“Muitos” sempre me ensinaram a zelar pela natureza, cuidar bem dos animais e das plantas. Desde cedo tenho me esforçado a considerar tudo isso. E o engraçado é que no dia-a-dia sempre me deparo com algo suficientemente inusitado para me confundir. Um dia deste, já no seminário, uma criatura que a princípio me levava a abrir a famosa caixa de pandora, resolveu acordar-me mais cedo. Foi um susto daqueles! Levantei um pouco tonto e, pisando alto, caminhei até o interruptor só após vários piparotes consegui acionar a luz. Depois de esfregar os olhos para reverter mais rápido a dilatação pupilar, pude ver a criatura. Era um grilo. Precisamente um grilo verde! Sorte a dele! Com calma consegui capturá-lo. Sem saber o que fazer e entediado com aquele ser, quis, num primeiro momento, levá-lo ao matadouro, tribunal onde o soldado, o advogado e o juiz eram eu mesmo. Mas depois resolvi, assim como Hussel que fizera filosofia fenomenológica com um copo de uísque, servi-me daquele ser para tal aventura. Como nos ensinam os alemães com sua avançada cultura filosófica apliquei àquela criatura o aufhebung, a chamada superação com conservação. Esforecendo, é claro, a fraca, mas, ao mesmo tempo, incrustada em mim, tese, como se desconfia, de que o verde traz esperança. E evidentemente a antítese que além de ditar tal superstição como besteira ainda considera a visão evolucionista de Darwin de que o mais forte é aquele que consegue adaptar-se. (este ano de 2009,comemora-se 200 anos do nascimento de Darwin).
Sem dizer ainda que, preocupado com um equilíbrio ecológico e a conservação da natureza, veio-me concomitantemente a moral Kantiana, que tem como princípio. “Não trates nunca os outros como meio, mas como fim”. Muito bem! Pensei; se decido sacrificar o grilo, pensando em um equilíbrio natural, tratá-lo-ei como um meio. Se faço o inverso e decido soltá-lo, inverto a situação e ainda acabo por tratar a mim mesmo e até meus colegas como meio e o “esperançoso” grilo como fim.
O que fazer? Indaguei com aquele grilo preso entre meu polegar e indicador. Eu tinha que decidir. Naquele momento experimentei a angústia que, como salienta Sartre, está na decisão. Por um instante me senti até líder, por ter que decidir. Mesmo que eu saísse e acordasse um colega para perguntar-lhe a respeito, era eu mesmo quem teria de decidir. Sem contar ainda que se fizesse isso, teria de fazer outra escolha: A quem chamar? Um colega naturalista, mais flexível, ou um mais conservador?
O tempo não para, já cantou um grilo humano, Cazuza. A angústia não leva a inação. Eu tinha que decidir. Sei bem que se ficasse com o grilo preso o tempo todo, até o dia clarear e descesse ou não pra capela com o grilo para fazer minhas orações, já seria uma escolha.
Por outro lado, cogitei na consciência e responsabilidade. Que eu saiba, grilo não tem consciência nem, muito menos, responsabilidade. Mesmo se por acaso, para me confundir ainda mais, Deus lhe tivesse dado tal faculdade, como iria me comunicar com ele em tão pouco tempo e dizer pra não voltar mais aqui, ou ainda, simplesmente pedir para não cantar mais daquela altura no meu quarto? Falar em grilês? Não, não faz meu estilo. E mais, sou um ser aí como diz Heidegger, o fato de eu ser dotado de razão e consciência não me faz ficar aquém do mundo. Sou um ente que se propõe a perguntar sobre o sentido do ser. Daí há outro problema; junto a que ente deve ser captado o sentido do ser? De um grilo? Brincadeira!!! Simplesmente por elaborar e problematizar a respeito do ser, torno-me transparente de um ente, o que busco, colocando-me em meu próprio ser. As demais coisas, assim como o ser do grilo que não é muito mais do que objetos perto de mim, mesmo que este me incomode muito, não passa de simples presença. Pois o meu ser aí, que não é nunca uma simples presença, já que sou precisamente um ente para o qual as coisas estão presentes, projeta-se.
Esta simples presença (do grilo) mesmo que talvez não saiba, assim como eu, é, um ser para a morte. E esta capacidade perceptiva racional que nos distancia essencialmente, faz-me projetar de maneira responsável como co-criador diante dos outros, ser aí de Deus. Nisto evidentemente a “Brincadeira!!!” fica sem graça. E diante daquela criaturinha, frágil e estridente, resolvi soltá-la. Lancei-a de um só golpe pela janela em direção a rua, e ela abriu as asas também de um só vulto, deu meia volta e voou em direção a horta que nós plantamos. Precisamente, se não me engano, sobre o verde e viçoso canteiro de alface, produção de nosso suor, para nosso sustento. Mas como se sabe, a existência é como um caos, que peleja por se ordenar seguindo muitas mentes de prismas ímpares e tepidamente desordenadas.
Sono: de dormir e de acordar grilado
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