Ficou mais que uma fotografia


Há pouco tempo encontrei uma foto, lá em casa, que guardei com carinho. Depois que li o livro “Os Sacramentos da Vida e a Vida dos Sacramentos”, de Leonardo Boff, entendi tudo aquilo que sinto ao vê-la.

Essa foto “fala” de uma história vivencial. É a foto de nossa antiga casa. Não sinto nenhuma vontade de voltar a morar nela. Até porque não seria possível. Ao ver a foto, não me recordo propriamente da casa física, mas da vida familiar. Ali nos abrigamos: pai, mãe e oito irmãos. Naquela casa moramos durante uns dezessete anos. Uns doze sem energia elétrica. Houve tempo em que nem relógio tínhamos. De vez em quando o pai mandava consertar o antigo rádio. Ele funcionava por alguns dias. Logo atrapalhava e voltava para a caixa e por lá permanecia por mais um bom tempo.

Pai e mãe até hoje trabalham muito. Os filhos também começaram cedo a lida. No momento há dois que estão mais folgados. Deixa pra lá. Falar pode não soar bem. Vamos voltar ao antigo “lar doce lar”.

Imagine oito irmãos. Briguinhas era o que não faltava. As broncas do pai eram constantes, embora nenhum dos filhos tenha conhecido o “peso” de sua mão. Esse “santo ofício”, algumas vezes, foi realizado por mãe. Nada de mais.

À noite era certo: o pai se assentava lá na escada da sala e começávamos prosear. De repente alguém cochichava no ouvido do caçula. “Pede ao pai pra contar história”?! Algumas vezes o pai dizia: “Hoje eu vou contar uma história verdadeira”. História verdadeira era sempre da bíblia ou de algum fato da vida familiar. Por ali, no assoalho da casa, alguns já dormiam.

Inúmeras vezes eu dormi ouvindo, do meu quarto, pai e mãe rezarem. A fé nasceu ali: dentro de casa e no “pé” do eito. Nas terças-feiras poderíamos esperar: o Zezé sempre ia rezar o terço conosco. Nas quintas outros vizinhos também apareciam para a reunião do grupo de reflexão.

“Um de vocês vem ‘tomar’ banho”. Era a mãe chamando. “Daqui a pouco o pessoal chega pra reza e vocês estão todos sujos”. “Vem, se não eu vou chamar o pai de vocês”. Aí o assunto tomava outro rumo. É que o futebol no terreiro, com nossa bola quadrada, feita de saco de fibra, estava animado.

Naquela simples casa foi gestada uma singela família. Logo os filhos foram seguindo seus caminhos. Quando construímos a nova casa, cinco irmãos já haviam mudado dali. Hoje meus pais estão lá a sós. Eles sempre dizem que estão com Deus.

A família sempre se reúne. É uma festa. Agora ela está ainda maior. Tenho cunhados e cunhadas. Os netos de meus pais já somam o dobro de seus filhos. A família se formou e se transformou. No entanto permanecemos unidos, mesmo distantes uns dos outros. O mais importante na foto não é a casa. Importa mesmo é o que ali foi construído e que permanece no coração de cada um de nós.

Patrício Geraldo Filho

*Seminarista do 3º ano de teologia – Diocese de Caratinga

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